Diálogo com a comunidade - Jornal Sinal Verde
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Volume 55 - 27/11/11
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Assistindo ao filme Cisne Negro,
buscando analisar os comportamentos da "Nina", me deparei com um
questionamento que não consigo encontrar resposta, e gostaria de
saber se vocês podem me ajudar, como poderia ser analisado o
comportamento de automutilação da personagem Nina? (pergunta de
Gabriela Canhassi, estudante de Psicologia, Águas de Lindóia - SP)
Skinner (1953)[1], ao escrever sobre os efeitos da punição, afirmou (p. 188): “Se uma determinada resposta é seguida por um estímulo aversivo, qualquer estimulação que acompanhe a resposta, quer ela provenha da própria resposta ou de circunstâncias concorrentes, será condicionada. Qualquer comportamento que reduza a estimulação aversiva condicionada será reforçado.” (grifo no texto original) Em parágrafo mais adiante (p.199), ele continuou:
“O efeito mais importante da punição, então, é estabelecer condições aversivas das quais [alguém] se esquiva através de qualquer comportamento de “fazer alguma outra coisa”. É importante – por razões tanto práticas, como teóricas – especificar tal comportamento. Não é suficiente dizer que aquilo que é fortalecido é simplesmente o oposto. Algumas vezes, é meramente “não fazer nada” na forma de se manter imóvel ativamente. Outras vezes, é um comportamento apropriado para outras variáveis presentes que não são, no entanto, suficientes para explicar o nível de probabilidade do comportamento, sem que se suponha que o indivíduo está também atuando ‘a fim de se manter a salvo de problemas’.”
As frases acima podem ser relacionadas com a história de Nina. Ela vivia num ambiente familiar e profissional caracterizado por contingências de reforçamento coercitivas, dentre as quais destacam-se punição positiva (caracterizada por respostas consequenciadas por estimulação aversiva condicionada) e procedimentos de esquiva sinalizada e de fuga. Destaque-se, adicionalmente, que eram contingências aversivas intensas. Logo, havia inúmeras condições ambientais: o apartamento onde morava, a mãe, o ambiente de trabalho, Mattheus, as bailarinas da Companhia, o regente, os músicos etc. etc. que adquiriram, em diferentes graus, função aversiva condicionada. Paralelamente, havia uma abrangente gama de respostas que produziam consequências aversivas: dançar (de maneira insatisfatória*), desobedecer autoridades (essencialmente, a mãe e Mattheus), ensaiar (menos que o ideal*), fazer movimentos de dança (imperfeitos*), dormir (mais do que o esperado*), comer (em excesso*), divertir-se, conviver com pessoas fora do ambiente de trabalho etc. etc. Dois pontos importantes: 1. todos os comportamentos sinalizados com * incluem classes comportamentais precariamente definidas (o que torna difícil diferenciar o comportamento que atende aos critérios que o definem: Nina não sabia se havia ou não emitido o comportamento esperado, pois quase nenhum era consequenciado de maneira sistemática) e os critérios – além de pouco claros – eram arbitrários e impostos por outrem; 2. qualquer comportamento é composto, na verdade, por uma classe de respostas que inclui variantes que se estendem ao longo de um contínuo, desde respostas claramente indesejadas, até respostas certamente desejadas. Como consequência, mesmo respostas desejadas adquirem também – por generalização das consequências aversivas associadas com respostas indesejadas – função aversiva! A função aversiva – qual moléculas de um perfume, que se espalham por um ambiente fechado – estava onipresente na rotina cotidiana de Nina.
No segundo parágrafo, Skinner expõe que a esquiva da condição aversiva se dá através da emissão de qualquer comportamento (grifo meu), portanto comportamentos de automutilação podem atender a tal função. Os comportamentos autolesivos produzem intensa estimulação corporal (em geral, dolorosa), a qual controla comportamentos respondentes (sentir dor, sangrar, mover-se de forma reflexa, por exemplo) e operantes (ficar sob controle da dor – prestar atenção a ela, de partes do corpo onde ocorre a autolesão, de aspectos do ambiente relacionados à dor, ao sangramento etc.: onde está o algodão para estancar o sangue? Onde está o remédio para desinfetar a lesão?, por exemplo), que competem com aqueles (tais como pensamentos, imagens, fantasias etc.) sob controle das contingências de reforçamento coercitivas que, de outra maneira, ocorreriam ininterruptamente e de forma absoluta. Com a dor (fisiológica) imediata e aguda (produzida pela automutilação), se enfraquece, relativamente, a dor crônica (comportamental) gerada pelas contingências aversivas!
No mesmo livro, Skinner escreveu (pp.366-367):
“Autoestimulação aversiva. Uma pessoa pode se ferir ou arranjar meios para ser ferida por outros. Ela pode também se privar de reforços positivos ou arranjar modos de ser privada deles por outros. Estas consequências podem ou não ser contingentes a comportamento na forma de punição e, como se viu, o efeito da contingência não é claro em nenhum caso. Tal autoestimulação será explicada se for possível demonstrar que o indivíduo, dessa maneira, evita consequências ainda mais aversivas. Se um estímulo aversivo condicionado caracteristicamente precede o incondicionado por um intervalo de tempo apreciável, o efeito total do estímulo condicionado prolongado pode ser mais aversivo do que aquele [produzido pelo] estímulo incondicionado mais breve. O indivíduo pode, então, fugir da ansiedade gerada pela punição iminente “resolvendo de uma vez”. O assassino do livro Crime e Castigo, de Dostoievski, se entrega a uma agência governamental punitiva. A confissão religiosa ocorre porque a expiação é menos aversiva do que um sentimento prolongado de pecado. Tem sido discutido, em particular por Freud, que “acidentes” são, às vezes, formas de autoestimulação aversiva que alivia uma condição de culpa ou pecado.”
“Nem sempre é possível encontrar uma história particular de punição que explique um determinado exemplo de autoestimulação. Pode ser difícil explicar porque uma pessoa se fere ou arranja formas para ser ferida por outros “masoquisticamente”. Na ausência de uma explicação mais óbvia, pode-se conjecturar que tal comportamento reduz um estado duradouro de culpa, vergonha ou pecado. Quando muitas formas diferentes de respostas têm sido punidas, sob muitas circunstâncias diferentes, estímulos aversivos condicionados podem ser amplamente distribuídos pelo ambiente e uma condição de ansiedade pode ser crônica. Sob tais circunstâncias, a autoestimulação aversiva pode ser positivamente reforçadora. Outra explicação possível de autoestimulação masoquista é que o processo de condicionamento respondente foi eficaz na direção errada. Na punição, os estímulos aversivos são pareados com consequências fortemente reforçadoras do comportamento sexual, para citar um exemplo. O resultado esperado é que o comportamento sexual venha a gerar automaticamente estímulos aversivos condicionados, no entanto, os estímulos aversivos usados na punição podem se tornar reforçadores positivos no mesmo processo.” [grifo no texto original]
Acredito que o texto de Skinner permite uma fácil transposição para as condições de vida de Nina e sugere possíveis explicações para os comportamentos de autoestimulação, dispensando comentários adicionais.
Punição excessiva gera outros efeitos (indesejados) sobre o comportamento operante. Distorções de percepção da realidade (alucinações e delírios) de Nina tiveram forte destaque no filme. É oportuno transcrever um trecho de Skinner (1953, p.365) sobre tais distorções. Assim:
“Controle por estímulos deficientes. Quando o comportamento foi intensamente punido, quer por uma agência controladora, quer pelo ambiente físico, o indivíduo pode vir a apresentar respostas discriminativas deficientes ou imprecisas. Um estímulo semelhante àquele que evocou o comportamento punido pode não evocar nenhuma resposta. Quanto o padrão de estímulos é complexo, pode-se dizer que o indivíduo “recusa-se a encarar os fatos”. Quando, por exemplo, ele não vê um objeto bastante óbvio, dizemos que ele sofre de uma “alucinação negativa”. Na anestesia histérica, estão ausentes todas as reações a um dado padrão de estimulação. Uma criança pode começar por “não dar atenção” a um pai implicante, mas o comportamento de “fazer qualquer outra coisa” pode ser tão bem sucedido para evitar estimulação aversiva e, possivelmente, também para respostas emocionais aversivas a tal estimulação, que pode se desenvolver uma completa “surdez” funcional.”
“O resultado mais comum é simplesmente discriminação deficiente. Na projeção, por exemplo, o indivíduo reage incorretamente ou de maneira atípica diante de uma determinada condição e seu comportamento pode ser, frequentemente, atribuído à esquiva dos efeitos do controle. Em uma cena de “demonstração de coragem”, uma situação pode ser apresentada como se nela nada houvesse a temer e, como consequência, ela tem menor chance de gerar o medo, pelo qual o indivíduo tem sido punido. Em algumas alucinações, uma situação, na qual ocorreu a punição, é “vista” como livre de qualquer ameaça. Num delírio de perseguição, uma reação distorcida ao ambiente permite que o indivíduo fuja da autoestimulação aversiva gerada por um comportamento ou por uma falha de se comportar que foi punida.”
O que Skinner expôs nos parágrafos acima é a construção ambiental de padrões comportamentais, que são classificados como manifestações de patologia psiquiátrica. No filme, parte das cenas de automutilação eram comportamentos encobertos (os dedos dos pés “colados” entre si, arrancar a pele em torno das unhas das mãos, por exemplo), enquanto outras (coçar as costas até se arranhar e se ferir, por exemplo) eram comportamentos públicos, mas a função dos comportamentos, para a pessoa que se comporta, é a mesma sejam eles públicos ou encobertos. Podem ter funções diferentes para o ambiente social. Tais temas foram desenvolvidos com mais detalhes no artigo Cisne Negro – análise comportamental de uma tragédia, disponível no site www.terapiaporcontingencias.com.br .
Hélio José Guilhardi
CRP: 06/918
Mestre em Psicologia Experimental pela USP
Diretor do ITCR-Campinas
Tenho como hipótese que o aumento da indisciplina de alguns dos nossos alunos adolescentes em sala de aula pode ter no reforço negativo uma explicação. Isto põe em xeque não apenas o comportamento do professor, que pode ser punitivo, o que geraria a indisciplina como contracontrole, mas toda a estrutura do sistema escolar e suas aulas, muitas das quais gigantes aversivas pela própria natureza.
(comentário enviado por Prof. Paulo Gurgel, Psicólogo, Salvador - BA)
Frase da Vez
Há outras maneiras de enfraquecer um comportamento indesejado, que permitem descartar a punição. O mais indicado é reforçamento de comportamentos incompatíveis ou de quaisquer outros comportamentos (diferentes dos indesejados). (Hélio Guilhardi)
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