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Volume 54 - 29/10/11

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Hélio,
Como você mesmo colocou: “A responsabilidade é um sentimento produzido por contingências de reforçamento coercitivas”. Como ajudo alguém a ser mais responsável, se na clínica o terapeuta deve ser uma audiência não punitiva?
 

           Skinner escreveu que o sentimento de responsabilidade é produto de contingências coercitivas. Minha interpretação é que ele se referia às práticas culturais adotadas pela Cultura Ocidental. Não as defende, porém. Simplesmente faz uma constatação. Pode-se, porém, instalar comportamentos responsáveis com reforçamento positivo e gerar, como componente colateral, manifestações corporais, às quais se dá o nome de sentimentos de responsabilidade. Escrevo sobre esta possibilidade no meu capítulo denominado “Autoestima, autoconfiança e responsabilidade”. ¹
            A prática clínica deve evitar controle coercitivo. Tal objetivo, no entanto, é muito difícil de ser atingido como se deseja (mesmo porque a função aversiva de interações entre terapeuta e cliente é identificada e sentida pelo cliente. Muitas vezes, o próprio terapeuta não se dá conta da função de suas ações.). O terapeuta tem conhecimento de práticas terapêuticas que produzem comportamentos e sentimentos de responsabilidade sem o uso de procedimentos aversivos. Deve priorizá-las na sua atuação. Quase certamente aquilo que é chamado de sentimento de responsabilidade, quando produzido por contingências coercitivas, não é o mesmo fenômeno comportamental quando produzido por contingências reforçadoras positivas. Esclarecendo melhor, comportamentos e sentimentos (e estes não são nada diferentes de manifestações corporais produzidas por contingências de reforçamento) produzidos por diferentes contingências de reforçamento (coercitivas, por um lado, e reforçadoras positivas, por outro) não podem ser os mesmos. O uso arbitrário de termos é que os aproxima, mais do que se deveria fazer.

 

[1] Artigo disponível em http://www.terapiaporcontingencias.com.br/pdf/helio/Autoestima_conf_respons.pdf

 

Hélio José Guilhardi
CRP: 06/918
Mestre em Psicologia Experimental pela USP
Diretor do ITCR-Campinas

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No filme Cisne Negro, no caso da personagem Nina, que vive em total carência afetiva e social, sendo a dança o único instrumento de interação familiar e social, tal carência não seria uma operação estabelecedora?
 

           

Sim. A carência afetiva, mais propriamente a privação de afeto, aumenta o valor reforçador de qualquer manifestação de carinho. Convém lembrar que as manifestações de afeto são reforços condicionados generalizados, os quais mantêm as funções reforçadoras, mesmo não havendo privação específica, e não produzem saciação. (Um exemplo mais didático de reforço positivo condicionado generalizado é o dinheiro: é reforçador até mesmo para quem possui muito e o valor reforçador não se enfraquece com o acúmulo, nem mesmo exagerado. Aliás, o conceito de exagerado não se aplica para quem possui muito, muito... dinheiro!)

            No caso de Nina, as condições aversivas que permeavam praticamente todas as interações sociais – familiares e profissionais – da vida dela também podem ser consideradas operações motivacionais, pois: 1. alteram as funções e as intensidades aversivas (aumentam-nas) e reforçadoras (diminuem-nas) dos eventos cotidianos, e 2. alteram a probabilidade de emissão de comportamentos de fuga-esquiva (aumentam-na) e de operantes que produzem reforços positivos (diminuem-na e, no caso específico de Nina, mantêm-na baixa). Uma vez que ambas as condições estavam presentes o tempo todo, pode-se dizer que Nina vivia num estado crônico de carência afetiva e de coerção constante, com pequenas variações. Daí decorre que, condições motivacionais constantes ajudam na compreensão dos fenômenos comportamentais que se apresentam, mas pouco acrescentam na intervenção terapêutica, pois esta se dá no nível de manejo das contingências de reforçamento e de punição. Assim, por exemplo, quando se estuda a influência de diferentes esquemas de reforçamento (FI, FR, VI, VR etc.) sobre os comportamentos de pressão à barra do rato, pouco se refere à privação do animal (uma variável mantida constante). A operação estabelecedora, nestes exemplos, só seria relevante se fosse manipulada. Assim, por exemplo, o que ocorre com o padrão de respostas de pressão à barra de um rato, em dado esquema de reforçamento, sob diferentes níveis de privação de água? Tipicamente, os estudos de esquemas de reforçamento mantinham a duração das sessões por períodos breves, de tal maneira que os reforços positivos (em geral, água ou comida) produzidos durante a sessão experimental não alteravam significativamente o nível de privação do sujeito experimental. Nada impede, porém, que as sessões se prolongassem e que se investigasse o que ocorre com os padrões comportamentais típicos de cada esquema de reforçamento quando o nível de privação do animal se altera... Sabe-se que água e comida – reforços primários – disponíveis alteram os estados de privação... Tal evidência não ajuda a compreender as condições de Nina, pois disponibilidade de afeto não produz saciação e comportamentos de fuga-esquiva apropriados não removem as contingências coercitivas. Restaria (coloco o termo no condicional, pois trata-se de uma possibilidade, mas que, no caso de Nina, não se aplicou) a Nina exercer um contracontrole: eliminar ou silenciar as agências produtoras das contingências coercitivas, de tal maneira que não mais houvesse necessidade de emissão de comportamentos de fuga-esquiva.

 

            Bem, neste caso, o desfecho da história seria outro!

 

            A história de contingências instala comportamentos ou padrões comportamentais com fenótipos particulares, tais como respostas de fuga-esquiva, respostas que produzem reforço positivo, respostas de observação etc... Também determina as funções que os eventos-estímulos, o ambiente, em suma, adquirem, tais como estímulo discriminativo, estímulo pré-aversivo, estímulo discriminativo de punição, estímulo reforçador positivo condicionado etc. As operações estabelecedoras ou motivacionais alteram a probabilidade de emissão das classes de respostas e atualizam as funções dos estímulos em dados momentos e contextos. Assim, por exemplo, uma operação de privação de água faz com que a luz apresentada para um sujeito experimental devidamente condicionado (história de contingências daquele organismo específico) tenha função de SD, diante do qual uma resposta, apropriadamente selecionada, se emitida (a presença do SD aumenta a probabilidade de emissão da resposta específica), produzirá um evento (no caso, água) que, dada a privação, tem função de reforço positivo. Por outro lado, se a operação for de saciação, a luz perde temporariamente a função de SD, torna-se um estímulo neutro para a resposta de pressionar a barra, a probabilidade de emissão da resposta diminui até o nível operante de ocorrência e a água perde, temporariamente, a função reforçadora positiva. Assim sendo, pode-se concluir que as operações estabelecedoras que atuavam na vida de Nina tinham o efeito de manter elevada a probabilidade de emissão das respostas de fuga-esquiva, bem como de manter elevadas as funções aversivas e pré-aversivas do ambiente (essencialmente social) da rotina cotidiana dela. A duração crônica das funções dos componentes das contingências coercitivas se explica pelo fato de serem essencialmente condicionadas generalizadas (a função é mantida por pareamento com muitos diferentes eventos aversivos) e por serem comportamentos, em grande extensão, de esquiva, os quais impedem a pessoa de entrar em contato com a realidade da consequência aversiva: ela ainda ocorrerá, caso a resposta não seja emitida ou for eliminada, e não há mais nenhuma relação de contingência entre a emissão da resposta de esquiva e a ausência do evento aversivo? Em geral, quando a esquiva é comportamento fortemente instalado, ela é emitida antes que se teste a presença ou ausência do evento aversivo que lhe deu origem.


 

Hélio José Guilhardi
CRP: 06/918
Mestre em Psicologia Experimental pela USP
Diretor do ITCR-Campinas

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Frase da Vez

"Se a punição for inevitável, que seja a mais branda possível e que inclua sinais claros de quais comportamentos podem evitá-la ou minimizá-la". (Hélio Guilhardi)

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