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Volume 42 - 18/05/10
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Gostaria de saber um pouco mais sobre a \"pseudocompetência\". Quais seus subprodutos e por que ela aparece sobretudo no padrão de comportamento agressivo e não no passivo? (pergunta enviada ao Jornal Sinal Verde pela psicóloga Tânia, de Belém - PA)
Para responder à questão da leitora, é preciso pensar o que é possível considerar "competência" em termos de habilidades sociais. O indivíduo competente em suas relações com os demais é aquele que emite preferencialmente comportamentos que produzem conseqüências amenas para si e para o outro nas interações, sejam tais conseqüências reforçadoras ou punitivas (pois estas últimas são inevitáveis), mas produzindo preferencialmente conseqüências reforçadoras positivas amenas para ambos. Comportando-se principalmente dessa forma, o indivíduo descreverá sentimentos de bem estar e liberdade ao se referir às suas relações sociais. Dirá sentir-se, de forma geral, amado e respeitado, pois as relações são preservadas mesmo em situações de conflito. Na literatura, usualmente o termo utilizado para descrever o indivíduo com tal repertório é "assertivo" e a "assertividade" é uma característica comumente relacionada à competência social.
Há diferenças importantes entre o padrão de comportamento essencialmente apresentado pelos indivíduos descritos como assertivos, agressivos e passivos (ou inassertivos). As respostas do tipo passivas ou inassertivas ocorrem sob controle da evitação ou retirada de possível estimulação aversiva presente nas relações sociais. Dessa forma, se eficazes, produzirão sentimentos essencialmente de alívio, de forma mais imediata, e também depressão, se mantidas constantes, pois estarão vinculadas a uma vida empobrecida em termos de reforçadores positivos. É possível dizer que mesmo no padrão de comportamento passivo há uma "pseudocompetência" social: "competência", pois o indivíduo pode ser eficaz ao fugir ou se esquivar de eventos aversivos sociais, e "pseudo", pois provavelmente relatará não sentir-se respeitado ou amado, porque é como se "pagasse" pelo afeto que recebe, comportando-se prioritariamente sob controle daquilo que é positivamente reforçador para o outro e não para si próprio, entre outros subprodutos colaterais indesejáveis. Uma pessoa que emita alta freqüência de respostas sociais do tipo passiva no ambiente de trabalho, por exemplo, raramente se envolverá em conflitos com os colegas, mas em contrapartida dificilmente ocupará uma posição de destaque ou se sentirá reconhecida pela equipe.
A pessoa agressiva comporta-se prioritariamente sob controle daquilo que lhe é reforçador, independente do efeito que seu comportamento tem sobre o outro. Dessa forma, o comportamento agressivo garantiria ao indivíduo o acesso a reforçadores que, embora muitas vezes apenas imediatos, estariam associados a sentimentos também de bem-estar, satisfação ou mesmo alívio. Por garantir o acesso a reforçadores tanto positivos como negativos, a "pseudocompetência", nesse caso, justifica-se porque, além de livrar-se de estimulação social aversiva, o indivíduo com padrão de comportamento majoritariamente agressivo também produziria alguns reforçadores positivos que podem ser reconhecidos como "ganhos" por si mesmo e por outros. Entretanto, por não ficar sensível ao efeito de seu comportamento sobre o outro, teria também como subproduto um desgaste em suas relações sociais, pois tornaria-se um estímulo aversivo condicionado para os demais em função de sua constante associação a situações em que estes são submetidos a estimulação aversiva e punições. Uma pessoa que emita alta freqüência de respostas sociais do tipo agressiva no ambiente de trabalho pode ser valorizada profissionalmente, pois obtém de fato alguns ganhos (em algumas profissões, inclusive, a agressividade é uma característica altamente valorizada: "é preciso ser agressivo para chegar em primeiro no mercado competitivo"), mas provavelmente terá uma relação ruim com os colegas de trabalho, podendo sentir-se temida, mas pouco querida ou até mesmo hostilizada. Ao entrar em contato com tais conseqüências de seu padrão de comportamento (o efeito sobre o outro), poderá descrever também sentimentos de culpa.
De maneira geral, por ficar sensível ao efeito de seu comportamento sobre o outro, o indivíduo que apresenta padrão de comportamento passivo é reforçado por comportar-se dessa forma e/ou menos punido pelo ambiente social em suas interações, embora produza poucos reforçadores positivos para si próprio. O indivíduo agressivo, por sua vez, receberá mais punições sociais por sua insensibilidade, mas terá maior acesso a conseqüências que lhe sejam positivamente reforçadoras. Ambos padrões têm efeitos colaterais ou subprodutos indesejáveis, e é por isso que a competência social associa-se a assertividade, mas a agressividade está mais relacionada à "pseudocompetência" pelo papel diferencial ilusório que o efeito do acesso a alguns reforçadores positivos tem.
Renata Cristina Gomes
CRP: 06/71718
Mestre em Psicologia Experimental pela USP
Como viveremos ou já estamos vivendo numa Sociedade Líquida, como devemos ensinar aos nossos filhos? Serem pessoas não sensíveis aos outros, ou seja, se minha filha não gostar de uma amiguinha da escola, tenho que deixar ou ensiná-la a brincar com todos? (pergunta enviada ao Jornal Sinal Verde pela psicóloga Rejane Fernandes, de Campinas - SP)
Rejane traz uma questão pertinente e atual envolvendo o conceito de "Sociedade Líquida", do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. O autor fala em liquidez para ilustrar o estado volátil da sociedade moderna, na qual "Nossas instituições, quadros de referência, estilos de vida, crença e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades auto-evidentes" (2004). Essa mutabilidade produziria um efeito direto inclusive sobre as relações humanas que, embora reconhecidamente necessárias, estariam cada vez mais efêmeras. Nesse sentido, justifica-se a questão apresentada: se as relações têm se estabelecido de forma tão frágil, como orientar os filhos para viverem em tal contexto?
Bauman, entretanto, descreve esse efeito da liquidez na modernidade, mas não compactua com ele. Crítico da sociedade líquida e das relações humanas descartáveis, deixa claro que deveríamos questionar tais características que operam em nosso modo de vida e superar o individualismo em prol do enfrentamento de desafios comuns à humanidade:
"Se isso é ser moralista, então sou moralista no sentido de que creio que todas as decisões que o ser humano toma em seu ambiente social (pois ninguém está sozinho, todos nós estamos conectados a outras pessoas) têm significado ético, têm um impacto em outras pessoas, mesmo quando só pensamos no que ganhamos ou perdemos com o que fazemos. (...) Contemplamos diariamente como se faz o mal, como se sofre a dor, e dizer que nada podemos fazer pelo outro é uma desculpa fraca e pouco convincente, até mesmo para nós próprios. Não há como negar que em nosso planeta abarrotado e intercomunicado dependemos todos uns dos outros e somos, num grau difícil de precisar, responsáveis pela situação dos demais; enfim, que o que se faz em uma parte do planeta tem um alcance global." (Bauman, Z., 2004).
O próprio Skinner defende uma posição semelhante quando alerta para o fato de que os níveis filogenético e ontogenético de seleção do comportamento pelas consequências não preparariam a espécie para o ambiente futuro e que o terceiro nível de seleção, o cultural, tampouco o vem fazendo, pois muitas das práticas culturais contemporâneas parecem aumentar a freqüência do reforçamento imediato não-contingente a comportamentos que promoveriam a sobrevivência da cultura ou da espécie. Sugere a ciência do comportamento como alternativa viável para indicar um arranjo de contingências mais favorável, em que pessoas seriam mais sensíveis umas às outras. No website do ITCR há um trecho em destaque que ilustra bem essa idéia:
"A escolha é clara: ou não fazemos nada e permitimos que um futuro miserável e provavelmente catastrófico nos alcance, ou usamos nosso conhecimento sobre o comportamento humano para criar um ambiente social no qual poderemos viver vidas produtivas e criativas, e fazemos isso, sem pôr em risco as chances de que aqueles que se seguirão a nós serão capazes de fazer o mesmo." (Skinner, B.F., 1978, p.66)
Logo, voltando à questão de Rejane, a liquidez das relações, embora constatada, não precisa ser aceita ou incentivada. Há uma diferença importante entre aquilo que ocorre e o que é desejável, adequado. A insensibilidade ao outro, embora cada vez mais comum, tem implicações danosas para o indivíduo e para o grupo. Se a filha não gosta de uma determinada colega, não precisa necessariamente brincar com ela, mas é importante que, ao comportar-se sob controle de seus próprios sentimentos pela amiguinha, a filha comporte-se também sob controle dos possíveis sentimentos da outra. É possível ser genuíno nas relações sociais sem ser egoísta, e é na direção da formação de uma sociedade desse tipo que Bauman e Skinner nos conduzem.
Os trechos de Bauman, entre aspas, foram extraídos de: PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. Entrevista com Zigmunt Bauman. Tempo social, São Paulo, v. 16, n. 1, June 2004.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php
Renata Cristina Gomes
CRP: 06/71718
Mestre em Psicologia Experimental pela USP
Curso On-Line de Especialização em Terapia Comportamental - Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR)
Informações: http://www.terapiaporcontingencias.com.br/curso-on-line.php
Frase da Vez
A crítica mais séria sobre a sala de aula atual talvez seja a frequência relativamente baixa de reforçadores.
(B. F. Skinner, 1968, The Technology of Teaching)
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