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Volume 39 - 17/02/10

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Como eu poderia explicar o comportamento do assédio moral no trabalho através de uma análise comportamental? (pergunta enviada ao Jornal Sinal Verde pelo estudante de psicologia, Marcelo, São Paulo-SP)

Uma possível análise comportamental desta prática envolveria, essencialmente, o conceito de controle aversivo e a descrição de seus subprodutos. Chamamos de controle aversivo a forma de influenciar (controlar) o comportamento usando reforçamento negativo e punição. Segundo Skinner (1953), os estímulos aversivos são frequentemente usados no controle prático do comportamento em razão da apresentação imediata do resultado. Assim, o emprego deliberado do controle aversivo visa dois tipos de resultados. O primeiro deles é o de reduzir ou eliminar desempenhos considerados indesejáveis. Para isto utiliza-se a punição, ou seja, torna-se um evento aversivo contingente ao desempenho indesejável. Tanto a apresentação de uma estimulação aversiva (punição positiva) como a remoção de um estímulo reforçador positivo (punição negativa), constituem uma punição, a qual diminui a probabilidade de comportamentos semelhantes ocorrerem no futuro. O controle aversivo também é empregado para produzir o aparecimento de comportamentos "desejáveis" pelo agente controlador, através de fuga e esquiva (reforçamento negativo). Neste caso, o fortalecimento da resposta se dá em função da remoção de um estímulo aversivo contingente a ela (fuga) ou em função dela evitar a apresentação desse estímulo (esquiva).

No caso do assédio moral, o uso da punição positiva está presente quando uma classe de respostas de agressão, que inclui ofender; ridicularizar; caluniar; criticar em público; culpar o funcionário por algo; ignorar sua presença etc. é emitida pelo agente punidor (usualmente o chefe), de maneira contingente a classes de respostas do funcionário, relacionadas ao trabalho (como, por exemplo: fazer perguntas; apresentar sugestões; engajar-se em atividades; comparecer ao trabalho etc.). Os comportamentos emitidos pelo chefe têm como consequência reduzir a frequência de comportamentos de desempenho do funcionário ou, até mesmo, levá-lo a pedir demissão. Desse modo, podemos dizer que os comportamentos do chefe funcionam como uma classe de estímulos aversivos que punem uma classe de respostas com função de desempenho. Além disso, essa classe de respostas também é punida negativamente pela retirada de estímulos reforçadores positivos, como, por exemplo, quando o superior transfere o funcionário de setor para isolá-lo (afastando-o dos amigos ou aliados); demite o cônjuge (caso os dois trabalhem na mesma empresa); retira benefícios etc. Podemos dizer que a diminuição da frequência de alguns comportamentos se dá também por extinção, uma vez que determinadas classes de comportamentos reforçadas no passado (ex: engajar-se em tarefas no trabalho; cumprimentar; dialogar) deixam de produzir consequências reforçadoras, já que o chefe passa a ignorar o funcionário durante o assédio moral.

Ao punir comportamentos de desempenho do empregado com agressões; intrigas e isolamento, o agente punidor tem seu comportamento reforçado negativamente pelo afastamento do funcionário e, por fim, quando este pede demissão. O enfraquecimento de algumas classes de respostas (por punição positiva, negativa e/ou extinção) é acompanhado pelo fortalecimento de outras classes por reforçamento negativo. Isso se dá à medida que os estímulos aversivos liberados pelo chefe evocam, no funcionário, a emissão de comportamentos com função de fuga/esquiva, tais como, faltar ao trabalho e a reuniões; evitar pedir informações e, por fim, pedir demissão do emprego.

Os comportamentos da vítima também são colocados em extinção e/ou punidos pelos colegas de trabalho que passam a se esquivar do contato com ela, isolando-a, já que esta adquiriu propriedades aversivas ao longo do assédio moral. Evitam, desse modo, serem associados ao funcionário que tem seu comportamento constantemente punido no trabalho, uma vez que tal pareamento supostamente poderia acarretar punições futuras para os colegas próximos à vítima.

As contingências aversivas às quais a vítima de assédio está exposta geram inúmeros subprodutos, como a eliciação de respostas emocionais (tremores; taquicardia; choro; sentimentos de raiva e frustração) e o contracontrole. No entanto, tais contingências dificultam o contracontrole efetivo, pois comportamentos como faltar ao trabalho ou esquivar-se de contato com chefes ou colegas eliminam a estimulação aversiva apenas temporariamente. Assim, o contracontrole mais eficaz seria a demissão, da qual o funcionário se esquiva ao máximo a fim de evitar os aversivos associados ao desemprego.

COutros subprodutos do controle aversivo gerados no trabalhador submetido às contingências coercitivas são: ansiedade, depressão (desamparo aprendido); doenças psicossomáticas, entre outros. Estes e Skinner (1941), ao descreverem o paradigma de supressão condicionada, apontam que a ansiedade ocorre quando estímulos do ambiente (associados a eventos aversivos incontroláveis) sinalizam a ocorrência de um evento aversivo que não pode ser evitado. Como muitos estímulos do ambiente de trabalho foram pareados com as estimulações aversivas sofridas pelo funcionário, este vive em constante estado de ansiedade, sendo que as fortes reações respondentes (ex: taquicardia) geradas pelos estímulos pré-aversivos interferem em comportamentos operantes usuais do sujeito (este "paralisa").

Até este ponto, a análise dirigiu-se a consequências aversivas produzidas por comportamentos específicos do funcionário. Cabe ressaltar, porém, que muitas vezes os estímulos aversivos liberados pelo chefe ou pelos colegas não são contingentes a classes de comportamentos emitidos pelo empregado, o que caracteriza uma situação de incontrolabilidade. Quando o trabalhador é submetido a eventos aversivos incontroláveis, este pode se tornar incapaz de aprender posteriormente um comportamento de fuga e esquiva. Isso ocorre porque o indivíduo aprende que seu comportamento não tem efeito sobre o ambiente, uma vez que os eventos aversivos ocorrem independentemente do que ele faça. Esta aprendizagem lançará o indivíduo em uma condição denominada de impotência ou desamparo aprendido (Seligman e Maier, 1967), na qual ele tenderá a apresentar respostas emocionais intensas, a não fazer nada e terá dificuldade para realizar novas aprendizagens. A incontrolabilidade sobre os eventos aversivos, aliada a uma possibilidade reduzida de prever o momento de ocorrência dos mesmos, comum nos casos de assédio moral, seriam as variáveis responsáveis por doenças denominadas "psicossomáticas", ou seja, produzidas por contingências de reforçamento adversas.

Referências citadas:

Estes, W. K. & Skinner, B. F. (1941). Some quantitative properties of anxiety. Journal of Experimental Psychology, 29, 390-400.

Seligman, M. E. P. & Maier, S. F. (1967). Failure to scape traumatic shock. Journal of Experimental Psychology, 74(1), 1-9.

Skinner, B. F. (1998). Ciência e Comportamento Humano. 10ª ed. São Paulo: Martins Fontes. (Originalmente publicado em 1953).


Ana Carolina Guerios Felício

Emileane C. Assis de Oliveira
CRP: 06/84060
Especialista em Psicologia Clínica pelo ITCR
Mestre em Psicologia Experimental pela USP
Docente do Centro Universitário Padre Anchieta (UniAnchieta) - Jundiaí
Psicóloga Clínica

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Quais são as noções de Psicopatologia adotadas pelo sistema da TCR? (pergunta enviada por Gustavo Mendes, de Cuiabá - MT)

Há que se fazer uma distinção que, embora seja essencialmente didática, torna mais clara a questão proposta. Se o organismo da pessoa sob análise não é intacto, então deve ser avaliado e tratado por um médico. Assim, há evidências confiáveis de que portadores de transtorno bipolar apresentam uma alteração neurofisiológica e, como tal, necessitam de medicação. Certos portadores de depressão, esquizofrenia, transtorno obsessivo-compulsivo são beneficiados pelo uso de medicamentos específicos. Em tais casos, o diagnóstico é médico e os procedimentos farmacológicos são da área médica. Em todas essas classes de patologias existem associadas a elas aspectos comportamentais que não são sensíveis à medicação e devem ser manejados por procedimentos derivados da análise do comportamento. A melhor concepção é, portanto, a que preconiza o trabalho integrado do médico e do terapeuta comportamental.

Os comportamentos são selecionados pelas suas consequências. Esse é o pressuposto causal adotado pela análise do comportamento e pelo Behaviorismo Radical. Como consequência direta desse pressuposto, não há comportamento patológico e nem cabe a adjetivação oposta para qualquer comportamento, ou seja, não há comportamento normal. Existem contingências de reforçamento - unidades funcionais de interação entre organismo e ambiente, responsáveis pela modelagem, manutenção ou enfraquecimento de comportamentos - que podem ser consideradas (e tal avaliação é arbitrária) como desejáveis ou indesejáveis pelo indivíduo ou pelo grupo social ao qual ele pertence ou com que interage. A classificação dos comportamentos, deste ponto de vista, desloca-se do comportamento em si e é enfocado nos seus determinantes. Tais determinantes compõem uma interação de fatores agrupados em três classes abrangentes: história genética, história de contingências de reforçamento e contingências funcionais atuais.

Pode-se propor um critério classificatório da "patologia" comportamental, sistematizando o repertório de comportamentos do indivíduo em déficits ou excessos comportamentais, desde que tais déficits ou excessos tenham função aversiva para o próprio indivíduo (que, neste caso, se definirá, por si mesmo, como alguém que precisa mudar seus comportamentos) ou para a comunidade com quem a pessoa interage, a qual definirá que determinados padrões comportamentais são aversivos para ela (ou porque os comportamentos daquele determinado indivíduo a atinge diretamente - um filho que agride fisicamente a mãe, por exemplo - ou porque ela se preocupa com consequências que a médio-longo prazo prejudicarão alguém que lhe é importante - um jovem que não estuda nem trabalha ou que é usuário de drogas, por exemplo). Note, porém, que o individuo não aceitará, necessariamente, que deve se submeter a tratamento ou a procedimentos que produzirão mudanças a partir de uma definição que deriva do seu ambiente social! Desta maneira, o uso de um critério funcional como indicador da "patologia" comportamental pode indicar que são equivalentes (não iguais) os problemas de um atleta que não treina e de um professor universitário que não lê; por outro lado, também o atleta que treina exageradamente pode se lesionar com frequência ou diminuir seu rendimento por excesso de treinamento, enquanto que o professor que lê em excesso pode se afastar dos amigos, filhos, esposa e passar a ter dificuldades sociais, afetivas e prejudicar o relacionamento familiar. Descarta-se, portanto, critérios exclusivamente topográficos como definidores de "patologias."

Coloquei o termo "patologia" entre aspas para retomar o significado do termo no contexto comportamental. Não cabe usá-lo. Os comportamentos não são patológicos e nem fruto de patologias de personalidade, nem de traços de caráter das pessoas. Se há algo errado é com o ambiente que dá origem e mantém tais comportamentos, seja no âmbito social mais abrangente, seja num nível mais restrito, tal como o familiar. E é exatamente no ambiente - social e físico - que a atuação do analista de comportamento deve ser exercida. Se a própria pessoa participa do processo de sua mudança, não é mudando o seu "self", mas sim as contingências de reforçamento que estão produzindo comportamentos e sentimentos que ela quer eliminar ou enfraquecer. Se há "patologia", ela se localiza nas contingências de reforçamento - onde deve ser atacada - e não nas pessoas, nem nos comportamentos. Assim, uma pessoa não sofre de ansiedade, mas sofre pelas contingências de reforçamento que produzem ansiedade.

Uma palavra final. O DSM é um manual classificatório da "patologia" humana da área médica e compatível com outro modelo classificatório do comportamento humano. Não se deve confundir o modelo médico com o modelo comportamental. Usar o DSM como instrumento classificatório comportamental é inapropriado profissionalmente e fere pressupostos conceituais fundamentais. Além disso, o DSM traz consequências práticas incompatíveis com as práticas comportamentais e equívocos, tais como atribuir topografias comportamentais semelhantes a determinantes causais comuns, adotar procedimentos terapêuticos similares para queixas (e não problemas comportamentais) semelhantes, prever mudanças a partir de predeterminado número de sessões. O terapeuta comportamental que adota o DSM está introduzindo no contexto da análise aplicada do comportamento um ameaçador cavalo de Troia. Além disso, revela sua fragilidade conceitual.


Hélio José Guilhardi

Hélio José Guilhardi
CRP: 06/918
Mestre em Psicologia Experimental pela USP
Diretor do ITCR-Campinas

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