Atividade: Sessão coordenada

 

"PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN": TERAPIA POR CONTINGÊNCIAS DE REFORÇAMENTO (TCR) APLICADA A UM CASO DE SUSPEITA DE PSICOPATIA NA INFÂNCIA - ATENDIMENTO DO FILHO

 

PATRÍCIA PANHO FERRONATO

Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento

 

Kevin (12) era filho de Ângela (38) e Nuno (43). Foi encaminhado para psicoterapia após avaliação neuropsicológica. Kevin trouxe muitas queixas sobre “não se encaixar no mundo”. Apresentava vasto repertório para difamar a família, professores e colegas.  Chamava a mãe de “vagabunda”, e a irmã de “mimada”. Dizia que gostaria de viver sozinho em uma casa isolada. Não era aceito socialmente pelos colegas da classe. Tinha histórico de repetidas brincadeiras “de mau gosto” e era agressivo com os colegas, o que produzia o afastamento destes (passava a mão no bumbum das colegas e chamava os meninos de “veado”). O cliente aparentava “orgulho” ao relatar os comportamentos indesejados apresentados (dizia ser o aluno mais poderoso da escola) e sentia-se “vencedor” por conseguir que suas exigências indevidas fossem atendidas, (por exemplo fazer com que  dois professores solicitassem demissão por sua causa). Em sessão o cliente apresentava alta variabilidade verbal para modificar o relato sob controle do que era mais funcional para ele em cada situação. Sua habilidade em emitir tatos impuros (verbalizações que estão fundamentalmente sob controle das consequências sociais que produzem e fracamente sob controle dos eventos antecedentes que supostamente deveriam controlar tais verbalizações) tornavam a interação entre cliente-psicoterapeuta muito sensível: reações dela que sinalizavam alguma discordância poderiam evocar mudanças nos relatos. Quando a psicoterapeuta não respondia a falas como: “quero matar meu pai”, o cliente modificava o relato dizendo que seu pai era muito “agressivo” e estava com “raiva” dele.  Quando questionado sobre amizades, ora dizia que uma “força maior” o impedia de se aproximar das pessoas, ora relatava que tinha feito mal para um colega a pedido de outro, a fim de ser aceito no grupo. A interação familiar também era disfuncional. Mãe e pai tinham fortes divergências sobre a condução da educação dos filhos. Nuno era pouco participativo, não tinha conhecimento da maioria dos problemas que Kevin causava e, quando tinha acesso, reagia aos comportamentos indesejados de Kevin de forma agressiva, tanto com a mãe quanto com Kevin. A mãe, por sua vez, cuidava da educação dos filhos e não informava o pai sobre suas decisões. Kevin identificava as deficiências de comunicação do casal e solicitava prêmios à mãe em função de não contar para o pai coisas que ela fazia “às escuras” (por exemplo, Kevin exigia assinatura de canais de TV a cabo para não contar para o pai que a mãe fez compras para ela e os filhos).  As Contingências de reforçamento (CR) que operavam na relação mãe e filho eram de controle coercitivo, existindo pouco ou nenhum afeto na relação. De acordo com as dificuldades apresentadas, os objetivos psicoterapêuticos foram aumentar a sensibilidade do cliente em relação às pessoas que estavam a sua volta, a fim de tornar Kevin mais reforçador ao outro. Inicialmente, os procedimentos foram aplicados em ambiente psicoterapêutico, visando a aumentar a sensibilidade do cliente à psicoterapeuta, ou seja, ficar sob controle dos eventos aversivos que seus comportamentos produziam no outro, de forma a reduzir tais classes comportamentais bem como ficar sob controle dos eventos reforçadores positivos que seus comportamentos produzem. E, desta forma, ampliar e generalizar tal classe de respostas para outras pessoas e em contextos extra sala de atendimento. A partir de tais procedimentos Kevin passou a ficar ligeiramente mais sensível nas relações (em uma ocasião ofereceu ajuda para a irmã brincar no tablet). A terapeuta encaminhou a mãe para atendimento e, em conjunto com a psicoterapeuta da mãe, novos procedimentos foram propostos para melhorar a relação afetiva entre mãe e filho.

 

Palavras–chave: Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR); psicopatia; atenção sócio-afetiva.