Atividade: Sessão coordenada
TERAPIA POR CONTINGÊNCIAS DE REFORÇAMENTO (TCR) E A (RE)CONSTRUÇÃO DA RELAÇÃO DE CONTINGÊNCIA ENTRE RESPOSTAS E CONSEQUÊNCIAS
MARÍLIA
ZAMPIERI
Instituto de Terapia por Contingências
de Reforçamento
Raquel (43) foi a primeira de três filhos adotados ainda recém-nascidos por Arnaldo (75) e Flávia (70) . A diferença de idade entre Raquel e o casal de irmãos era de poucos anos. Raquel era mãe de Bruna (18), porém perdeu a guarda da filha quando esta tinha 2 anos de idade. Bruna fora adotada por um casal americano e passou a morar nos Estados Unidos. Arnaldo buscou psicoterapia para a filha por indicação da psiquiatra de Raquel. A cliente tinha um histórico de abuso de substâncias por 20 anos, e algumas internações já haviam ocorrido. Raquel estava há um ano sem internação, morando sozinha em uma propriedade de seus pais. Esta foi uma decisão tomada por Arnaldo, sob controle de dificuldades de interação entre Raquel e Ana, e também para manter Raquel “em segurança, longe do acesso às drogas”. Raquel apresentava déficits comportamentais significativos, tais como os de: (a) comportamentos de autonomia e de independência; (b) realização de atividades que produzissem acesso a reforçadores positivos; (c) autocontrole; (d) interação social; (e) tolerância a frustração. Alguns excessos comportamentais também estavam presentes no repertório de Raquel: (a) comportamentos compulsivos para compras e consumo de cigarro; (b) comportamentos de impulsividade; (c) verbalizações agressivas. A partir da análise da história de Contingências de Reforçamento da cliente, foi possível identificar que Raquel não vivenciou relações de afeto desde a sua infância, com seus pais e irmãos, o que dificultou o desenvolvimento de um repertório afetivo e produziu privação de afeto, presentes até a vida adulta, o que era observado por comportamentos e verbalizações indicativos de baixa autoestima. Os pais de Raquel haviam lhe proporcionado condições financeiras para seu estudo e moradia, inclusive em diferentes cidades ao longo de seu histórico de dependência química. Provê-la financeiramente, de forma não contingente a seus comportamentos, dificultou que Raquel estabelecesse uma relação de contingência entre respostas e consequências, bem como o desenvolvimento de tolerância a frustração. Dois dos objetivos psicoterapêuticos foram: (a) desenvolver comportamentos de autonomia para utilizar dinheiro e fazer compras de itens de uso pessoal (alimentos, produtos de limpeza e de higiene), a fim de diminuir a dependência da cliente em relação a seu pai, bem como produzir reforçadores contingentes a seu desempenho; (b) desenvolver respostas de contracontrole funcionais e não agressivas diante das tentativas de controle exercidas por seu pai, por exemplo, apresentar argumentos de forma clara e amena para buscar sair mais de casa, no lugar de usar termos agressivos e pejorativos para punir os comportamentos de controle excessivo apresentados por Arnaldo. Raquel conseguiu apresentar alguns comportamentos de maior autonomia, como o uso do computador para comunicar-se com sua filha (o que inicialmente era intermediado por seu pai), porém apresentava muita dificuldade para emitir comportamentos que produzissem consequências atrasadas e, com isso, dar continuidade aos procedimentos aplicados. Passou a discriminar melhor condições pré-aversivas, que evocavam comportamentos agressivos, de forma que pudesse emitir comportamentos funcionais de fuga-esquiva de tais situações. Um exemplo foi que Raquel passou a emitir comportamentos alternativos quando ouvia comentários provocativos da funcionária de sua casa: distanciava-se desta mulher e engajava-se em atividades como leitura ou assistir à televisão e, com isso, evitava confrontos e discussões com a funcionária. O processo terapêutico teve duração de um ano, interrompido por internação involuntária de Raquel, ao apresentar comportamentos de agressividade contra si mesma (num episódio em que saiu do carro em movimento, enquanto dirigido pelo pai), com função de esquiva de suas condições de vida presentes. Não houve recaída ao uso de substância.
Palavras-chave: adoção; reforços não contingentes; dependência química; Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR).